Prefácio “Uma cartografia sobre o tosco: micropolíticas no consumo digital da Gravadora Läjä Records”
Luís Henrique Bottoni chegou ao Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, da Universidade Feevale, intrigado sobre se o consumo relacionado ao punk independente observável em plataformas de redes sociais era uma forma de diluição ideológica ou de resistência. Afinal, a conta do Instagram de Fábio Mozine, proprietário da gravadora Läjä Records, ator importante do cenário hardcore underground brasileiro em torno do qual se estruturou sua pesquisa, era tudo isso junto e misturado. Como orientadora de Bottoni, senti na inquietação do pesquisador uma expressão genuína da condição do próprio autor, ele mesmo, a um só tempo, publicitário e punk, um diretor de arte que promove produtos e serviços com sua sensibilidade estética, intrigado com os desígnios comerciais de uma subcultura marcada, desde seu início, pela resistência ao status quo. E que, por tudo isso, o fascina.
Essa ambivalência como condição humana contemporânea que, em todos nós, emerge de alguma forma, anima seu trabalho de pesquisa do início ao fim. Com o objetivo de analisar a produção e o consumo digital de discursos e produtos do punk nacional independente, considerando processos de formação de identidade, a partir do caso da gravadora Läjä Records, a natureza interdisciplinar do Curso em que a pesquisa foi desenvolvida é evidente. A exploração teórica parte de conceitos de cultura (subcultura), linguagem e identidade, e avança, de forma consistente, para uma abordagem sobre consumo e micropolíticas no Instagram. O percurso metodológico se deu pelo método da cartografia, que se relevou pertinente para o fim de delinear um mapa, inacabado e provisório, porque, só um mapa assim seria capaz de contemplar a complexidade que envolve consumo simbólico, material, posicionamentos políticos bem definidos e música.
A possibilidade de elaboração de inquietações internas autênticas com a apropriação rigorosa de elementos externos (conceitos e métodos) expressa-se na forma de um texto em que o leitor sente-se descobrindo, ao mesmo tempo em que o autor, as pistas para esse desfecho. Ao invés de um texto burocrático, que seleciona as partes que, às vezes, artificialmente, venham a confirmar um resultado de investigação previamente imaginado, Bottoni compartilha em seu livro o seu processo de pesquisa propriamente dito, propondo, com isso, uma espécie de pacto de cumplicidade com o leitor que raramente se observa e do qual o leitor não tem alternativa a não ser render-se a ele. O texto, escrito em primeira pessoa, é expressão formal da pergunta que o próprio autor se faz no livro: “Se você começa uma pesquisa já sabendo o que vai encontrar, por que você está pesquisando?”.
Finalmente, o desfecho para o qual Bottoni nos conduz identifica a estética do tosco como marcador de análise predominante do mapa obtido, estética que tem, na expressão da alegria, a ironia e o deboche como linguagem. Interessante notar que essa estética pode ser observada em apropriações de plataformas digitais que ultrapassam o escopo do estudo, e que podem ser expressas de formas variadas. Definitivamente, esse conceito tem potencial para ser desenvolvido em outros contextos. Alguns deles, nada alegres.
Uma cartografia sobre o tosco: micropolíticas no consumo digital da Gravadora Läjä Records pode interessar a pesquisadores de Ciências Humanas e Sociais, dada a natureza interdisciplinar do estudo, que propicia a originalidade das costuras entre diferentes conceitos e a metodologia selecionada em função do seu objeto de estudo. Pode interessar, também, a fãs de subculturas em geral porque, antes de mais nada, esse é um livro sobre paixão. Paixão não se ensina, vive-se. Ler sobre ela a partir da sensibilidade interpretativa de Bottoni pode ser uma belíssima forma de percebê-la. Boa experiência!
Sandra Portella Montardo
Porto Alegre, janeiro de 2021.